Uma carta aberta pela defesa da informação precisa e verdadeira que permita promover a moderação no consumo de bebidas alcoólicas e a isonomia no tratamento a todo o setor

Em recente publicação nas redes sociais, a maior entidade representativa do setor cervejeiro no Brasil se utiliza da Semana de Conscientização sobre o Alcoolismo para promover alegações surpreendentemente imprecisas e prejudiciais à sociedade, sem reconhecer seu verdadeiro propósito: persuadir formuladores de políticas de que a cerveja é de alguma forma um produto mais saudável do que outras bebidas alcoólicas, e que, portanto, deveriam receber tratamento diferenciado, apesar de a cerveja ser, de longe, a bebida alcoólica mais consumida no Brasil. Esse movimento de desinformação acontece em um momento determinante para todo o setor de bebidas alcoólicas: a regulamentação da reforma tributária e a definição da alíquota do imposto seletivo.

No espírito de conscientização, aqui está um fato absoluto: o dano associado ao consumo de álcool não tem nada a ver com o fato de um produto ser fermentado ou destilado e, sim, com a quantidade de álcool puro que uma pessoa consome, bem como seu padrão de consumo. Isso foi comprovado por inúmeras revisões científicas, sistematicamente.

Dados recentes publicados pela KMPG (maio/2023) mostram que os brasileiros consomem, por ano, 84 litros de cerveja per capita, versus 4,1 litros de destilados. Isso significa que o consumo de cerveja não pode ser afastado das consequências prejudiciais do consumo excessivo, incluindo impactos na saúde, acidentes de trânsito e lesões.

No entanto, os fabricantes de cerveja no Brasil continuam a desfrutar de tratamento muito favorável em relação a impostos e marketing. Entre 2014 e 2018, a alíquota de IPI sobre cerveja diminuiu em 60% e agora é de menos de 4%, enquanto cachaça e destilados pagam entre 16,25% e 19,5%. Restrições de marketing, publicidade, locais de venda e patrocínio que se aplicam aos destilados e vinho não se aplicam à cerveja. Alguém já se questionou o porquê de tais privilégios?

Para apoiar seu argumento de que essa discriminação deveria ser preservada e ampliada, no artigo são feitas alegações de que "a grande quantidade de açúcar presente em bebidas destiladas faz com que essas sejam absorvidas mais rapidamente do que as fermentadas, como cerveja e vinho".

Essa alegação é falsa e perigosa para os consumidores. As bebidas destiladas têm menor quantidade de açúcar do que qualquer outro tipo de bebida alcoólica, pelo simples fato de serem destiladas. O açúcar, no processo de destilação, não é transferido para o produto final. Por outro lado, bebidas fermentadas possuem maior teor de açúcar do que destilados, assim como tendem a ter níveis muito mais altos de carboidratos do que destilados.

Independentemente disso, a afirmação de que os níveis de açúcar na bebida têm algo a ver com a absorção de álcool é, no mínimo, contestada, e não deve ser apresentada como uma declaração factual dessa maneira.

O autor também extrapola afirmações infundadas sobre o tipo de bebida e o risco de dependência com base em um único estudo de uma "amostra de conveniência" de 153 pacientes de um hospital de São Paulo. Um estudo que trouxe resultados isolados, há mais de 15 anos, cujas conclusões nunca mais foram repetidas em qualquer outro instrumento científico. Um estudo em que os pesquisadores oferecem agradecimentos ao CISA, entidade que recebe financiamento da indústria cervejeira. Isto só pode ser interpretado como desinformação destinada a desviar a atenção do trabalho árduo de promover o consumo responsável em todas as populações relevantes para a perigosa demonização de um tipo de bebida. Álcool é álcool.

Então, o que realmente ajudaria a aumentar a conscientização e capacitar os brasileiros que escolhem beber a fazê-lo de forma moderada? A definição de uma dose padrão! No entanto, nesse aspecto o Brasil é um país incomum por não ter essa definição formal ou diretrizes recomendadas para consumo de álcool de maneira a evitar o consumo excessivo. Em muitos países, isso é claramente definido. Nos EUA, por exemplo, uma dose padrão representa qualquer bebida contendo 14 gramas de álcool.

Compreender que “Álcool é Álcool” e que uma cerveja (350ml com teor de 5%) equivale a um pequeno copo de vinho (150ml com teor alcoólico de 12%), que equivale a uma medida de destilado (40ml com teor alcoólico de 40%), é empoderar o consumidor, pois permite às pessoas acompanharem e monitorarem seu consumo tanto em uma única sessão de consumo quanto de semana a semana.

Acabar com o regime que permite que a cerveja seja anunciada livremente enquanto a promoção de outros produtos é proibida também ajudaria muito a corrigir as percepções da população. Também é importante trazer um olhar sobre a tributação e, nesse sentido, a OMS, em publicação de dezembro de 2023, coloca que: "maiores aumentos de impostos sobre bebidas inelásticas (ou seja, cerveja) devem ser introduzidos para reduzir o consumo para produzir o impacto desejado na saúde pública e gerar receita tributária adicional"

Se a indústria cervejeira quer realmente mais conscientização, menos desinformação e melhores resultados de saúde para todos, deveria apoiar o envio de sinais mais claros e corretos para os consumidores de bebidas alcoólicas e para a sociedade no Brasil, como, por exemplo, apoiando a definição de uma Dose Padrão. Vamos trabalhar juntos para que isso aconteça.

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