ABC da cachaça

Branquinha ou dourada, "marvada" ou boazinha,a cachaça se tornou um dos patrimônios da cultura brasileira. A aguardente de cana, que já foi considerada uma bebida de baixa qualidade, agora tem status de produto requintado. O rigoroso controle de qualidade e a grande variedade fazem com que a boa e velha caninha agrade aos paladares mais exigentes e ainda movimentem a economia do país: segundo a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), o Brasil tem 30 mil produtores, que faturam 600 milhões de dólares por ano e geram 450 mil empregos diretos.



Sua origem coincide com o início da História do Brasil, mais especificamente ao ciclo da cana no país. Um dos subprodutos da produção de açúcar, o caldo de cana era destinado à alimentação dos animais dos engenhos. “Após algum tempo, o caldo fermentava, produzindo um líquido com um cheiro diferente que aguçou a curiosidade dos escravos. Eles logo perceberam que o aroma agradável se associava a um sabor etílico e um efeito embriagador, permitindo, por momentos, esquecer a nostalgia e as condições subumanas em que viviam”, afirma o professor André Ricardo Alcarde, professor do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq, ligado à USP. 

Quanto ao nome, há várias versões: uma delas aponta para o termo espanhol cachaza, um vinho barato consumido em Portugal, ou para cagaça, como eram conhecidos os resíduos da produção de açúcar do Brasil. Outra hipótese é de que o nome possa ter vindo do termo que designava a fêmea do cachaço, um porco-selvagem cujas carnes duras eram amaciadas com a aguardente. Entre todas as possibilidades, segundo Alcarde, “a versão mais aceita é de que a palavra tenha origem espanhola”.

Com o passar do tempo, o processo de produção foi aperfeiçoado, o que fez com que a qualidade da bebida aumentasse e  muitas variedades aparecessem. Nos últimos anos, surgiram as chamadas cachaças premium, produzidas e engarrafadas por pequenos e grandes produtores. Lançada em 2004, a Sagatiba Pura foi a primeira multidestilada produzida industrialmente no país. Esse processo faz com que a bebida se torne mais suave e ideal para o preparo de diversos drinques. 

Outro destaque é a Sagatiba Preciosa, envelhecida por 23 anos em barris de carvalho trazidos da Europa há quase um século. Há oito anos, a Sagatiba descobriu este lote, filtrou e engarrafou a bebida. Essa raridade ainda pode ser encontrada em alguns pontos de venda na cidade de São Paulo e custa, em média, R$ 400. 

Outro fator que define a aparência, o odor e aroma da cachaça é o tonel em que a bebida passa por processos de envelhecimento. Os diferentes tipos de madeira do tonel também farão com que a cachaça tenha características distintas. Por exemplo, uma pinga envelhecida em um tonel de carvalho fica dourada, tem acidez reduzida e um perfume de baunilha. Se a madeira escolhida for a araucária, no entanto, a cor, o aroma e o sabor originais da bebida serão preservados.

Explorando as diferentes nuances que o envelhecimento e os tonéis trazem ao destilado, a Cachaça da Tulhalança, desde 2007, sua Edição Única. A cada ano, especialistas escolhem uma combinação feita com cachaças envelhecidas e armazenadas em diferentes tempos e tipos de madeira. No ano passado, foi eleito como a Edição Única 2011 o blend de 40% de amburana (5 anos), 30% de carvalho europeu (4 anos) e 30% de bálsamo (4 anos). Mas não são apenas os tonéis e a maturação que fazem com que a cachaça tenha tantas variações. Para suavizar a alta graduação alcoólica da caninha, surgiram versões com adição de mel, canela, cravo e outras especiarias.

E para os mais curiosos, mais uma boa dica: o mais brasileiro dos destilados tem até museu em sua homenagem. Administrado pela Água Doce Cachaçaria, rede com mais de 100 unidades espalhadas pelo Brasil, o espaço conta com peças de engenho, fotos, reportagens e mais de 2.000 garrafas. Um dos propósitos do museu é enfatizar a importância da bebida na história do país. “Além de gerar emprego e renda, a cachaça pode promover o Brasil no exterior. É preciso transformar o destilado brasileiro em um orgulho nacional”, conta Delfino Golfeto, que gerencia o museu.

Com tantas opções de qualidade, o consumo da branquinha aumenta a cada dia no Brasil. Segundo a Abrabe, a média anual de consumo de cachaça por habitante no país era de 4,4 litros. Atualmente, o brasileiro toma 11 litros de cachaça por ano, em média. Sendo assim, que tal manter (ou até aumentar) essa média? Um brinde à cachaça! E não esqueça da parte do santo...

Saiu na Casa e Jardim.