Experts falam sobre a combinação de chocolate com cerveja, cachaça e café
Encha a boca de água quente, numa temperatura suportável. Dispense. Dê uma mordida em um chocolate. Repita o ritual sempre que desejar extrair o máximo de nuances de um chocolate. Parece estranho? Mas é esse método que o confeiteiro Flavio Federico, expert no assunto, adota em suas aulas de degustação.
Se você pretende apenas combinar prazeres, no entanto, o ideal é deixar a água de lado e procurar a bebida que melhor ressalte o sabor do seu chocolate. Café, cerveja, cachaça. Alguns goles são capazes de potencializar as mais marcantes características do doce.
Para o especialista em cachaça Jairo Martins da Silva, as mais envelhecidas e aromáticas, com teor alcoólico mais elevado, vão bem com um chocolate amargo, por exemplo. Já para a sommelier de cervejas Cilene Saorim não há nada que não combine com cerveja, com a "vasta quantidade de estilos e ampla possibilidade sensorial".
Ela brinca, "chocolates para iniciantes [ao leite] vão bem com cervejas para iniciantes [menos potentes]. Já para acompanhar um meio-amargo, o ideal é uma cerveja com mais estrutura, corpo e amargor". No caso do café, Ensei Neto, um dos maiores entendidos no assunto do Brasil, diz que há dois mecanismos para fazer uma degustação casada com chocolate. "O segredo vai ser o serviço do café. Se quisermos evidenciar características sutis do chocolate, trabalhamos com uma bebida de concentração intermediária, para os sabores não brigarem."
Aconselha, por exemplo, experimentar um chocolate com notas frutadas e florais, como os orgânicos do Peru, ao lado de um café com acidez elevada (limão ou laranja), que "levantam a intensidade das frutas tropicais presentes no chocolate".
Métodos básicos
O doce dos deuses, derivado do cacau, normalmente deixa a boca untada. "A gordura fica depositada nos vales das papilas gustativas. Água quente e álcool ajudam a limpar a boca e assim você pode experimentar o próximo chocolate", diz o confeiteiro Flavio Federico.
Por isso que bebidas com alto teor alcoólico são boas pedidas para acompanhar. "Há opções típicas como o vinho de Porto e o moscatel, mais adocicado. Escolho com um chocolate sem muito teor de cacau, um pouco mais doce, para que o amargor do chocolate não esconda o sabor do vinho", diz a chocolatière Renata Arassiro.
É possível, no entanto, fazer harmonização por contraste. "Vinhos fortificados e vinhos doces combinam com chocolate amargo pois ficam equilibrados", diz Federico. Segundo ele, o mais importante é trabalhar com as mesmas potências de sabor. Desmistifica, assim, a combinação de espumantes, com baixo teor alcoólico, com chocolate amargo, que "mata o sabor da bebida".
Na linha dos contrastes, uma sugestão é provar "chocolates de solo vulcânico ou o da Bahia, que é extremamente ácido" com vinhos de baixa acidez. "Outra combinação clássica: chocolate com laranja. Por isso cai bem com uma cerveja Belga que tem na fermentação casca de laranja e é mais encorpada", diz Federico.
Quando se misturam elementos tânicos, porém, pode haver desequilíbrio. Para muitos, chocolate amargo com vinho tinto seco faz a boca amarrar --mesmo efeito causado por banana verde. Mas para o enófilo Ricardo Bohn Gonçalves, o casamento com um cabernet sauvignon é bem-sucedido. "Quem me deu essa ideia foi o Ridel [das taças Riedel]. É uma combinação exótica." Ok, é certo que há recursos técnicos para alcançar o casamento perfeito. Mas a verdade é que gosto é algo subjetivo.