Cachaça pode ter lei própria, mas governo vê retrocesso

Se cachaça não é água, como diz a letra da marchinha, é bom que se saiba bem o que ela é. O vinho, por exemplo, já tem legislação própria no país desde 1988 (Lei 7.678/1988), mas a bebida mais brasileira de todas ainda não.

Alegando isso, deputados federais propuseram uma regulamentação específica para determinar todo e qualquer aspecto da produção da bebida, que já tramita na Câmara desde 2007 e foi aprovada por duas comissões (Desenvolvimento Econômico e, em setembro, na de Agricultura).

Agora, falta apenas passar por outras duas comissões (Finanças e Tributação; Constituição e Justiça). No entanto, a bem-intencionada proposta é vista com maus olhos pelo principal xerife do mercado de bebidas no país: o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que enviou ao Congresso, em setembro do ano passado, uma manifestação criticando a medida.

De um lado, o relator da proposta, deputado Jairo Ataíde (DEM-MG), declarou à Agência Câmara, em setembro, que “estabelecer em lei as características e os padrões de identidade e qualidade é importante para o reconhecimento internacional da cachaça como bebida genuinamente brasileira”.

De outro, o ministério, por meio de seu chefe da Divisão de Bebidas, Marlos Schuck Vicenzi, alega que tudo já está devidamente contemplado em leis anteriores, como o Decreto 6.871/09, e que algumas alterações feitas pela nova proposta ainda careceriam de regulamentação e de análise sobre seu impacto na produção.

Além disso, Vicenzi destaca que alguns trechos da lei alteram – para pior – conquistas das leis anteriores. Ele cita como exemplo um artigo que abre margem para a produção da cachaça fora do Brasil, desde que obtida a partir de cana brasileira. Diz ele, em seu parecer, que “a aprovação deste texto coloca em sério risco todos os esforços institucionais de promoção internacional do produto típico brasileiro”. E completa: “Tais esforços renderam recentemente uma grande conquista: o reconhecimento pelos Estados Unidos da cachaça como produto típico e tradicional do Brasil”. Por e-mail, Vicenzi disse à reportagem de O TEMPO: “Não vislumbramos nenhuma vantagem (no novo projeto)”.
A reportagem tentou contato com o relator Jairo Ataíde, por meio de dois celulares, do telefone de seu gabinete e de e-mails, ao longo da semana, mas não conseguiu encontrá-lo para comentar as críticas do ministério.

Tributação. Em meio a esse imbróglio, a Associação Mineira de Produtores de Cachaça de Qualidade destaca o que considera a maior novidade do novo projeto: a diferenciação clara entre as cachaças artesanais (de alambique) e industriais (de coluna), antiga reivindicação dos fabricantes. Para o presidente da associação, Trajano Raul Ladeira de Lima, uma vez aprovado o projeto, o governo teria que rever a carga tributária sobre os pequenos alambiques.
Lima afirma que um censo feito em 2002 constatou a existência de cerca de 8.500 alambiques em Minas. Desses, segundo o Ministério da Agricultura, apenas 548 são registrados. Com menos impostos, haveria um incentivo para a formalização do setor, defende Lima. 

Publicado em  otempo.com.br