Sofisticação embalada para consumo

As promessas de uma experiência gastronômica diferente ou de um artigo que traga uma sensação nova para o comprador aparecem cada vez mais aos olhos de quem exige qualidade. Atentas a esse filão e em estratégias para enfrentar a concorrência, empresas apostam na inovação e criatividade. O resultado é o crescente número de produtos e serviços que se denominam premium ou, no caso do ramo da alimentação, gourmet. Mas, afinal, como saber quem realmente cumpre os requisitos para usar essas denominações?


Categorias premium e gourmet conquistam cada vez mais espaço nas prateleiras e nos restaurantes

                             Foto: Marco Quintana/JC

Para a professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Ani Hartz, para adotar o conceito premium é preciso levar em consideração quatro premissas: a tradição, o preço mais elevado, a raridade e o emocional, que seriam as sensações e experiências percebidas pelo consumidor. “As marcas que atenderem a esses elementos primordiais se encaixam na definição. É preciso levar em conta também características complementares e tão importantes quanto, tais como a qualidade superior, durabilidade, design, atendimento personalizado e idoneidade da empresa”, afirma.

Para isso, a especialista alerta que o público precisa estar atento a esses preceitos para ver se realmente o item ou serviço pode ser considerado premium. Segundo Ani, há casos em que empresas trabalham aspectos de marketing, como a comunicação, e, na prática, o artigo não é exatamente como o divulgado. Ela lembra também que existem três níveis de produtos que podem se enquadrar no conceito: o luxo acessível, como cosméticos e perfumaria, o luxo intermediário, que está nos calçados, por exemplo, e o luxo inacessível, do qual faz parte a alta joalheria. “Para cada grau, há diferentes níveis de exigência, de consumidores e de esforços de marketing”, explica.

A professora da ESPM avalia que o mercado é promissor e que cresceu mesmo em meio à crise econômica e aos altos impostos no Brasil. Uma das características principais no País, diz ela, é que quase 100% das compras são parceladas, o que facilita o acesso a artigos mais caros em virtude da facilidade de crédito. “Além disso, estima-se que até 2015 mais de 30 milhões de pessoas migrem para as classes A, B e C e que até 2025 o mercado de luxo brasileiro represente 5% na participação mundial”, analisa.

No caso do ramo da gastronomia, os espaços para a chamada gourmetização avançam a passos largos. Conforme a professora da área da faculdade do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial no Rio Grande do Sul (Senac-RS) Letícia Silva, essa é uma tendência no setor, pois os clientes estão mais exigentes e dispostos a pagar um pouco mais pelo que consideram incomum e inovador. 

Para ser considerado um alimento gourmet, Letícia explica que é preciso que os ingredientes usados na preparação sejam diferenciados. Como exemplo, cita que, quem quer abrir uma hamburgueria gourmet, por exemplo,  precisa ter um pão com uma fermentação especial e componentes que combinem com a proposta do prato que está sendo servido. Para isso, é preciso que o cheff tenha noções técnicas e de base da culinária tradicional. “É preferível fazer uma comida típica, que tenha um apelo mais caseiro, do que algo de qualidade duvidosa. Não adianta colocar foie gras (iguaria francesa a base de fígado) em um cachorro-quente se o sabor não vai combinar”, salienta.

A professora do Senac-RS afirma que o crescimento do mercado gourmet está atraindo profissionais para a área de culinária e que a demanda por mão de obra é alta. “Muitos dos nossos alunos estão atrás desse tipo de proposta, como as comidas de bistrôs, que são mais personalizadas e permitem trabalhar com a temática de alimentos mais sofisticados. Isso requer técnica de cocção e formas de trabalhar os elementos que integram a receita”, reforça a especialista.

Para reconhecer se um alimento realmente é gourmet, Letícia indica que é preciso atentar para questões como a forma de utilização dos ingredientes artesanais e a forma de preparo do prato ou lanche. “Isso é o que traz a valorização e permite ver se realmente é gourmet ou se é um engano”, sentencia.

Entenda os conceitos

PREMIUM: São considerados os produtos e serviços de alto valor agregado com diferenciais de inovação. A professora da ESPM, Ani Hartz, destaca que, além de um preço maior, são consideradas características como a raridade, a tradição de uma marca e a experiência que vai trazer para quem consumir.

GOURMET: O termo é mais destinado para a alimentação, especialmente na elaboração de pratos da culinária. É a transformação de alimentos básicos, como os fast-foods (hambúrgueres e cachorro-quente, por exemplo) que ganham novos componentes e apresentações. A professora do Senac-RS, Letícia Silva, destaca que para um alimento ser considerado gourmet precisa ter elementos diferentes do produto tradicional.

Supermercados e restaurantes seguem a onda

O crescimento da tendência premium e gourmet também movimenta o setor varejista e o comércio de bares e restaurantes no Rio Grande do Sul. A demanda por linhas diferenciadas está fazendo com que os supermercados valorizem esses artigos nas gôndolas como forma de atrair os consumidores.

De acordo com o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, 30% das empresas que compõem as listas de itens à venda estão investindo nessas categorias. O dirigente afirma que a linha gourmet, por exemplo, tem a preferência do público masculino, que busca o preparo de pratos especiais em seus momentos de lazer. “Essa é mais uma categoria que ganha espaço e que pode agregar valor para as redes que têm esse perfil de cliente”, observa.

Sobre a questão de preço em relação ao valor agregado, Longo destaca que a escolha depende do perfil de cada loja e de cada comprador. Há casos de marcas mundiais, que eram o sonho de consumo da população, que, mesmo vendidas por mais do que o dobro do preço, acabam tendo a preferência do cliente. O presidente da Agas reforça também que as categorias que fazem parte do dia a dia do público têm o seu sucesso garantido e novas categorias podem enfrentar dificuldade de ganhar espaço entre os compradores.

O vice-presidente comercial do Walmart Brasil, César Cinelli, ressalta que até pouco tempo o entendimento sobre um artigo premium é que ele deveria ser importado, mas o investimento das empresas brasileiras em criar soluções nesse nicho acabou mudando a cultura.

Entre os itens com mais sucesso, o executivo do Walmart cita os chocolates e os frisantes e avalia que a distância entre o produto premium e o líder é muito pequena na preferência do comprador. “O consumo desses itens tem tido crescimento. O cliente está saindo do produto tradicional e migrando para aqueles de mais qualidade e que, por consequência, são mais caros. O cliente não é bobo, ele percebe essa mudança. Se  vê um leite de marca diferente com uma embalagem especial, fica muito atraído em conhecer”, reforça Cinelli.

No segmento gastronômico, o presidente da seccional do Rio Grande do Sul da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-RS), Naldo Barbosa, acredita que o crescimento dos locais dedicados à culinária gourmet tem incentivado os cidadãos da capital gaúcha a frequentarem bares e restaurantes. “Os espaços criados com essas experiências contribuem para fomentar o hábito de comer fora”, diz.

A fantástica fábrica de pipoca

 

Além das lojas próprias, a Pop Corn Gourmet irá investir em franquias. Foto: MARCO QUINTANA/JC

Um alimento tradicional ganhou novas cores e sabores pela mão de empresários da Serra gaúcha. Depois de uma viagem aos Estados Unidos, surgiu a ideia de criar uma loja que vende pipocas com gostos que vão  de caramelo, cheddar e algodão doce.

A Pop Corn Gourmet, surgida em 2010, trouxe o conceito para o Brasil e instalou a primeira loja em Gramado. Segundo o diretor da empresa, Rafael Peccin, a Pop Corn Gourmet nasceu com o intuito de ser uma rede de lojas com os moldes dos norte-americanos e que ainda não existia no País. “O brasileiro está acostumado com pipoca de micro-ondas ou só no cinema e não tem aquela cultura de consumir o produto a qualquer hora”, salienta.

O preço final varia entre R$ 7,00 e R$ 32,00, dependendo do tamanho, como explica Peccin. As embalagens são diferenciadas. Além dos tradicionais saquinhos, a principal pedida são os potes com desenhos especiais e que podem conservar o produto por mais tempo. Mas o diretor da empresa reforça que o principal está na pipoca. “Desenvolvemos todos os ingredientes  e a marca aqui no Brasil. Hoje temos dez sabores e todos são receitas exclusivas. Antes de abrir a primeira loja, que foi em Gramado, levamos mais de um ano aperfeiçoando os sabores até chegar no resultado que achávamos o ideal”, conta.

Até o momento, de acordo com o empresário, o retorno do público tem sido positivo. Além da loja de Gramado, outras duas unidades foram abertas em Porto Alegre: nos shoppings Praia de Belas e Total. Peccin informa que, nos próximos três meses, a Gourmet Pop Corn será aberta nos shoppings Bourbon Ipiranga, Bourbon Country e Bourbon Wallig e que já existem interessados em abrir franquias em São Paulo.

Cachaça gaúcha tipo exportação

A cachaçaria Weber Haus, localizada no município de Ivoti, no Vale do Sinos, investe forte na linha de cachaças premium. A empresa trabalha desde 2004 com este tipo de produção, e a ideia, segundo o diretor da Weber Haus, Evandro Weber, veio a partir de visitas a feiras internacionais, quando perceberam que outros segmentos de bebidas no mundo já se utilizavam da estratégia junto ao consumidor. “O mercado de linha premium de cachaça era novo, ninguém ainda fazia algo especial. O nosso projeto era agregar muito valor à linha de produção”, afirma.



O objetivo da empresa é chegar ao maior número possível de produtos nesse segmento. Weber ressalta que, atualmente, 70% das bebidas produzidas pela cachaçaria são consideradas premium. O empresário avalia que, entre os motivos que levam a essa análise, estão os processos de produção diferenciados no Brasil. “Todos os produtos têm esta característica, mas definimos como premium aqueles que ficaram mais de três anos em barris de madeira. Além disso, precisa ser embalado em garrafas diferenciadas.” Segundo o empresário, a empresa também acompanha a temperatura em fermentação e faz o controle digital das destilarias e pipas que já envelheceram vinhos e uísques para fazer a mistura que dá um blend especial.

O mercado é amplo tanto no País quanto no exterior. No Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro são os maiores consumidores da cachaça da Weber Haus. Já as exportações representaram 35% do faturamento total da empresa em 2013, sendo que 25% foram dos produtos da linha premium. Weber reforça que as vendas são feitas em feiras, eventos e locais especiais, além da comercialização direta na fábrica. “Tomamos uma decisão de não entrar em supermercados com linhas premium”, explica.

Publicado em: Jornal do Comércio